segunda-feira, 31 de outubro de 2011

DEI PRUM CARA NA PISTA DE DANÇA



Ela tem uma rosa de Hyroshima dentro do peito e um coração tatuado na virilha.
Diz pros caras que é atriz, mas já faz cinco anos que não sobe no palco.
Frequentadora assídua da praça Roosevelt, ela usa All Star vermelho, vestido de xita, flores no cabelo e se pudesse deixaria as sobrancelhas se encontrarem só pra ficar parecida com a Frida Kahlo.
Quando chegou em São Paulo era ainda a “garota de Bauru”e fazia o papel da Cilene dos Sete gatinhos numa montagem ruim desses teatros de bar, hoje quase quarentona poderia fazer a Madame Clessi, sem muita maquiagem alias.
Veio pra estudar no TBC, mas quando descobriu que o Antunes batia nos atores, correu para o cordão de Ouro do Teatro Oficina e seus ácidos de Kombi azul.
Acorda às 16:00 e antes de escovar os dentes já liga no som “Blues da solidão”
Gosta de ouvir Lulu Santos, acha Cazuza um anjo, não perde um show do Velhas, quando a Rorô vem cantar no Sesc está sempre na primeira fila pedindo “Escândalo”, mas ela nunca canta.
Gosta de Villa-Lobos, Maria Callas e até Bjork, no entanto freqüenta baile funk na ZL, cheira loló na latinha de Skol e vomita no lixo do banheiro da balada, até seu fígado ficar exposto, mole, brilhando sobre um oceano de papéis amassados.
Não tem paciência para as alegorias de Lars Von Trier e adora tomar um “Drink no inferno”, interessa-se por Godard, mas limita-se a entender suas cores primárias, nunca foi ao reserva, porque lá não se pode comer pipoca durante a sessão.
Tem vezes que bebe vinho, outras Gim, coleciona latinhas de cerveja debaixo da cama, tudo depende do estado de espírito em que a sua casa se encontra, se os móveis estão no lugar ou não. Quando não bebe, se fode, porque o baseado da Paim sozinho não faz milagre.
Quando fuma prefere os modernistas.
Quando bebe entende os românticos.
Quando está desesperada os astrólogos da Folha de São Paulo.
Ontem ela me ligou e disse:
-Dei prum cara na pista de dança.
-Deu mesmo?
-Dei, eu até ia pro Dark, mas tinha um velhinho tarado lá dentro, um que sempre fica iluminando a galera com o celular dele, deu tempo do cara levantar minha saia e o tiozinho gozou no meu All Star novo.
-E você? – perguntei.
-Dei um chute no otário. Então seguimos pra pista, estava cheia, fomos prum espaço perto daquela caixa de som, tá ligado? Perto do lugar onde o DJ fica!
-Tô ligado sim. – respondi.
-Ele abaixou minha calcinha e fizemos tudo ali mesmo.
-E ninguém viu? Ninguém fez nada?
-Sei lá. –sua voz parecia agora embargada.- E se alguém visse também...a essa altura do festival já tinha cantado a Vaca Profana e tava pra lá de Marrakech.

Guilherme Junqueira

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

ODE PARA O AMOR N°1


Queria ter você mais uma vez entre meus lençóis esta noite,
Com seu suor lubrificando os mecanismos das carícias,
Sua saliva, o destilado que eu não sabia,
Quero que você viva dentro de mim,
Ser o leitor da lenda macabra dos seus olhos,
Gostaria de irromper tua carne, rasgá-la, me atirar de cara dentro de você, fazer da sua pele moradia para meu tédio,
Apenas os ventos dos teus sonhos são capazes de fecundar em meus domínios,
Antes de você aparecer eu vivia a esperando Godot,
Dançando na chuva, brincando de roleta-russa.
Você gosta da “Banda mais bonita da cidade”, eu me amarro no “Saco de ratos”
Você diz que leu Shakespeare, mas só conhece Romeu e Julieta.
Você não sabe quem é Godard e só tem paciência pra sessão da tarde.
É assim que eu te amo, burra, sonsa, bêbada, viciada em anti-depressivos e cremes anti-ruga
Sua loucura me inspira, a falta de ganância me faz querer protegê-la, possuí-la.
Que terror era aquele que me invadia nas madrugadas quentes de whisky com Redbull?
Apertava tua mão para guardar o teu cheiro fragmentado em mim,
Que ritual tátil era aquele que me remetia à tantos gostos e graças?
Deixaria o Lucky Strike se você pedisse,
Rasparia os cabelos se você assim desejasse,
Você queria bater em mim?
Eu ficava de quatro.
Pedia uma carreirinha?
Eu te dava um quilômetro.
Resto-vago-monstro re desperto em minha face,
Lado fósforo escuro dentro de mim
Hoje a noite se faz quente, minha garganta está seca e a garrafa de Red, lacrada,
Quero ter você mais uma vez,
Dentro & fora,
                         Dentro & fora,
Dentro & fora de você.
Sorvendo dos lábios a morphina do sono,
Roubando depois da foda minhas caixinhas de Rivotril,
Lendo minhas revistas de sacanagens escondidas atrás do altar dos bêbados,
E fermentando para fora do nosso templo intimo,
O câncer mais amargo, a pústula mais sangrenta,
E deixando profundas cicatrizes eternizarem todas as doenças do nosso amor.


poema de GUILHERME JUNQUEIRA

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Entrevista sobre cinema - Zoom Magazine-

GOLDEN BOYS


Era como se um misto de melancolia e despudor atingissem meus ossos, todas as vértebras amoleceram e começaram a derreter como a cera de uma vela.
A rua Augusta toda coberta por uma neblina densa, a bruma revelando e escondendo faces entorpecidas...anestesiadas, salpicadas de glitter e pelas réstias dos faróis.
Os automóveis diminuíam a velocidade, estacionando nas coxas e abandonando-se nos flancos alugados.
No delta dos seios alinhados por cirurgia.
Na curva dos cílios alongados, nos suspiros silenciosos das sereias urbanas.
Golden Boys, vampiros noturnos presos na eternidade juvenil de seus corpos, andando em grupo pelas calçadas como cães, desbravando o escuro e descobrindo o dínamo da noite e seus segredos. Entrando em bares aleatórios apenas para usar os mictórios e cheirar todo o cartão de crédito em notas de cinco.
Golden Boys, trajando calças apertadas, jaquetas de couro e camisetas de rock. O brilho do ouro foi esfregado em seus corpos magros e bem desenhados, os olhos são lunares, a boca voluntariosa foi feita para o encaixe.
A bruma que cobre a Augusta rua do centro, fica cada vez mais densa e misturada com a fumaça do escapamento e do churrasquinho de porta de zona, a névoa sube em círculos até o céu como nos turíbulos da missa de domingo da igreja da Sé.
Os Golden Boys dançam a madrugada toda nos Clubs apertados da capital, tatuam pelo corpo a necessidade de um amor embora não admitam que sofram de uma estranha forma de solidão, tal qual Virgínia, eles se afogam com freqüência em seus riachos de bi-polaridade e dependência.
Tomam comprimidos para dormir.
Para acordar.
Para lembrar.
Para esquecer, os Golden Boys tomam litros suecos de felicidade Absolut e depois deixam o fígado em uma esquina qualquer, respingando no Nike importado os restos mortais da juventude Marlboro.
Geração beat-bad-romance sintetizada pelo conto de fadas da bala de laboratório.
Mortas-vivas-belas-adormecidas dignas de George Romero.
Boa noite Cinderella feat. José Cuervo.
Vergonha alheia por Charles Bukowski.
Falsos Warholl`s profetizando uma cultura POP dichavada e bolada na seda de um baseado.
Estranha combinação desses anjos bi-sexuais e as sarjetas de Rimbaud. Estranha, mas justificável, tal qual a dependência de Anais Nin para com Henry Miller ou Roy Orbinson e os delírios de David Lynch.
O sexo para esses meninos do asfalto é tântrico, religioso, o cigarro é quase que uma regra, um acessório na ponta dos dedos amarelados. Poetas suicidas intoxicados pelo ritmo dos sonhos e inspirações de batida eletrônica com energéticos azuis.
Calam-se diante da TV.
Diante da falta do que fazer...da ausência de sombra, do excesso de Make, da falta de grana, do porre de química, ou simplesmente pelo lápis borrado escorrendo dos olhos debaixo do chuveiro.
Terminam as noites sentados nos banquinhos altos da Bella Paulista enquanto o ácido da semana passada corrói o que sobrou do cérebro.
 Assim como Ginsberg, eu também vi, os expoentes da minha geração e eles tomavam Engov antes de beber, cheiravam quilômetros de padê e viviam caindo pelas tabelas, sentados em frente à jukebox do Ecléticos, trincando os dentes e segurando uma garrafa de cerveja pela metade, esperando mais um dia amanhecer.


crônica-poética de GUILHERME JUNQUEIRA