Alfred me ligou e acabou me convencendo, saí finalmente da Bat-caverna, fui pro tal bate-papo do Rubens Paiva no espaço “Cemitério de automóveis”. O cara além de ser super gente boa, pontuou com sinceridade vários momentos de sua carreira literária e teatral, seus acertos e suas (vamos chamar) precipitações.
Sei que pode parecer clichê citar “Feliz ano velho” mas foi o primeiro contato que tive com a escrita do Paiva, na época inclusive minha sala foi obrigada a ler, eu devorei, as meninas se esforçaram, umas até leram de verdade (todas elas que por sinal, se formariam em direito ou em jornalismo anos mais tarde) os meninos só leram a cena de sexo e bateram umas bronhas.Nessa época já tinha lido muita putaria na biblioteca, alias, foi lá mesmo, nos corredores amarelados da velha biblioteca da rodoviária, que eu descobri Henry Miller, Anais Nin, Rimbaud e Virgínia. Certa vez houve até um fato meio constrangedor, a bibliotecária me cutucou, chegou bem pertinho, limpando as lentes gordurosas de seu óculos na manga do casaco, e disse com ar de sacaninha “ Recebemos um livro novo, um livro que ninguém tem ainda, sua cara” . Ela, que tinha os dentes da frente muito tortos e mastigava pastilhas garoto a tarde toda, estendeu-me “ A casa dos budas ditosos”. Tudo isso pra falar que “Feliz ano velho” caiu muito precocemente nas minhas mãos , e numa época em que talvez eu não compreendesse direito o que aquele livro representasse para minha geração anterior, sim porque além de ter status de clássico, vendeu como água na época em que foi lançado.
Hoje depois do bate-papo, senti vontade de reler, assistir o filme não vale mais, não vou fazer a odiosa “Prova do Livro” antes do intervalo, minha vida hoje é só cabular aula de física, cago pra matemática, geometria, química e o escambáu. Mas porque estou falando isso afinal?
O que importa é que decidi ficar pra peça, pedi uma dose de conhaque, “acabou moço” ela disse. Realmente tava foda e não tinha nem um dreher pra descer macio e me reanimar, olhei para os vinhos, quem sabe podia pedir uma taça, só tinha Almadén, lá se vai mais cinco conto na latinha Bhrama 35 quilates. A peça em questão era “Diário das crianças do velho quarteirão” texto indicado ao prêmio Shell em 1998 (melhor texto), escrito e dirigido pelo Mário Bortolotto. A história se passa numa casa dividida por dois caras, aparentemente num esquema meio de república, o conflito entre o tocador de jazz e o desenhista de quadrinhos tem inicio quando uma personagem feminina (namoradinha do músico) passa a frequentar a casa. Pra ser bem direto, gostei pacas. Sobretudo dos ótimos diálogos, ácidos e politicamente INCORRETOS, Bortolotto transgride com muito estilo literário, e fala de Dostoiévski , Hemingway, Gil Gomes e Kenny G com total propriedade das suas convicções. Alguns Black-outs ocorrem durante o espetáculo, e mesmo assim ele não perde o fôlego. Achei os atores um pouco tímidos nas primeiras cenas, talvez possa ser só impressão, já que na metade do espetáculo, o realismo e a química entre eles era tão grande que nem prestei mais atenção nisso. Por outro lado, a densidade dos acontecimentos e as marcações intimistas, acabam forçando-os à acompanharem o ritmo das cenas de um jeito ou de outro. Me pareceu, assim como num “Entre quatro paredes” um daqueles raros casos em que nos deparamos com textos em que os atores não tem pra onde correr. A luz, e a trilha são de muito bom gosto, e estão diretamente ligados no universo do apartamento. Aliás muito ousada a cena em que temos um monólogo e uma música com letra, um blues feminino se não me engano, de fundo. O cenário bem como o figurino, está bem representado, simples, bem executado e funcional. Recomendo o rolê. Ótimo horário, bem localizado, fácil de chegar, de quarta à domingo e na bilheteria você paga o quanto quiser.
Bom é isso, chega de falar, tem uma porra de música do Nei Lisboa no “repet”, amanhã acordo cedo pra escrever e ainda quero começar a ver um Fellini, que é pra ver se o sono chega.
Foto: Gisela Schlögel |
Foto: Gisela Schlögel |
Foto: Gisela Schlögel |
O DIÁRIO DAS CRIANÇAS DO VELHO QUERTEIRÃO ÚLTIMA SEMANA
Texto, Direção, Sonoplastia: Mário Bortolotto
Iluminação: Marcelo Montenegro
Elenco: Renata Gaspar, Ralph Maizza e Thiago Pinheiro.
Operação Técnica: Marcelo Montenegro
Quarta a sábado - 21h
Domingo às 20h
A entrada é "pague quanto quiser" (com direito a um ingresso por pessoa). A bilheteria será aberta uma hora antes do espetáculo.
Até 29 de Abril
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